Sanger Prize Winner: Desvendando os Mistérios dos Nematoides Através da Bioinformática

Desvendando os Mistérios dos Nematoides Através da Bioinformática

Texto original em inglés e fotografias por Carmen Denman Hume, Assessora de Comunicação do Wellcome Sanger Institute. Traduzido e adaptado por Beatriz Rodrigues Estevam.

A ganhadora do Prêmio Sanger, Beatriz, está mergulhando no universo microscópico do DNA de nematoides — e o que ela e a equipe descobrirem pode mudar a forma como entendemos a evolução e a genética. Ela é aluna do curso de Ciências Biológicas da ESALQ/USP e bolsista de Iniciação Científica da FAPESP no CENA/USP.

Estudar vermes pode não parecer a escolha mais óbvia para um projeto de pesquisa, a menos que você conheça a história da genômica. O nematoide Caenorhabditis elegans foi o primeiro animal a ter seu genoma completamente sequenciado, em uma colaboração liderada pelo Wellcome Sanger Institute e pelo Genome Institute da Washington University. O sequenciamento do genoma de C. elegans abriu caminho para que essa tecnologia fosse aplicada a outros organismos, sendo o Projeto Genoma Humano um dos exemplos mais representativos.

Então, estudar vermes não é pouca coisa, que o diga a bioinformata e atual ganhadora do Prêmio Sanger1, Beatriz Rodrigues Estevam. Ela tem passado seu estágio de pesquisa de três meses no Wellcome Sanger Institute como parte do grupo do Professor Mark Blaxter, que inclui vários especialistas em genômica de nematoides.

Conversamos com Beatriz para saber mais sobre sua trajetória, como é um dia comum estudando nematoides e qual foi seu maior choque cultural ao se mudar do Brasil para o Reino Unido.

Vamos lá!

Beatriz Rodrigues Estevam at the Sanger Institute

Como é seu dia a dia como bioinformata, estudando splicing em nematoides?

Estou trabalhando no programa Tree of Life no Instituto Sanger, adquirindo experiência prática na construção e otimização de pipelines em Nextflow. Esses pipelines nos ajudam a analisar grandes conjuntos de dados genômicos e transcriptômicos de nematoides. Dados genômicos são todas as informações genéticas de um organismo, enquanto dados transcriptômicos são todas as moléculas de RNA, o que nos dá uma ideia de quais genes estão ativos. Este trabalho contribui para o 959 Nematode Genomes Project, que visa aumentar o número de genomas de nematoides para avançar na compreensão sobre parasitismo, adaptação e mudança do genoma, e pode, em última análise, revelar como os nematoides se tornaram uma das espécies de maior sucesso no planeta Terra.

Especificamente, meu projeto se concentra no desenvolvimento de abordagens para detectar e caracterizar eventos de trans-splicing, um mecanismo de processamento de RNA que é aparentemente comum em nematoides. Trans-splicing é quando o RNA proveniente de dois genes diferentes são unidos para formar uma molécula de RNA maduro e funcional que pode ser usada para criar proteínas.

No dia a dia, me dedico a explorar dados transcriptômicos, entender o contexto biológico do trans-splicing e projetar estratégias computacionais para capturar esses eventos de forma eficiente. Grande parte do meu trabalho envolve escrever e testar códigos, solucionar problemas de análise e melhorar continuamente o pipeline para que ele possa processar dados de centenas de espécies de nematoides.

O que te colocou no caminho para se tornar uma bioinformata?

Eu encontrei a bioinformática quase que por acidente. Durante a pandemia de COVID-19, com os laboratórios fechados, comecei a trabalhar com bioinformática analisando as sequências de SARS-CoV-2 e acompanhando como o uso de códons – um conjunto de três nucleotídeos no DNA e no mRNA que traduzem para aminoácidos – mudava ao longo do tempo. Pareceu um pouco como hackear a biologia, descobrindo padrões escondidos no código genético do vírus usando basicamente o meu computador. Fiquei fascinada com isso e nunca mais quis sair. Desde então, passei dos vírus para o estudo de proteínas fúngicas e bacterianas, e, finalmente, para plantas com genomas enormes e complexos.

Foi durante uma reunião de laboratório com meu supervisor, Professor Diego Mauricio Riaño-Pachón, na Universidade de São Paulo (CENA/USP) no Laboratório de Biologia Computacional, Evolutiva e de Sistemas (LabBCES), que ouvi pela primeira vez sobre um projeto ambicioso chamado Darwin Tree of Life. Este projeto é um esforço para sequenciar toda a vida complexa que vive nas Ilhas Britânicas e Irlanda e ao seu redor. Fiquei imediatamente intrigada com a escala e a visão do projeto, e isso plantou uma semente que acabou me levando a me candidatar ao Prêmio Sanger no grupo do Professor Mark Blaxter. O Prêmio Sanger é um estágio de três meses com financiamento completo, disponível para estudantes de graduação de países de baixa e média renda, para que vivenciem um projeto de pesquisa aqui no Instituto.

Conectar meu trabalho de computação a projetos tão amplos, me fez querer, de fato, mergulhar em pesquisas que cruzassem diferentes organismos e áreas. Agora, estou estudando nematoides e seus mecanismos de trans-splicing. Cada tópico novo trouxe novos desafios, como aprender a lidar com uma imensidão de dados, mas também novas descobertas. O que começou como uma solução temporária durante a pandemia acabou se tornando o melhor do meu dia a dia.

Qual tem sido o ponto alto da sua experiência no Sanger até agora?

A melhor parte da minha experiência com o Prêmio Sanger até agora é estar imersa em uma atmosfera tão colaborativa. No laboratório, trocamos ideias e discutimos nossas dúvidas diariamente. Todos aqui são muito dedicados ao que fazem, gerando discussões no mínimo interessantes. Eles têm sido incrivelmente generosos com a mentoria e o feedback. Além disso, tem sido especialmente motivador ter uma colega e Bioinformata brasileira, a Dra. Marcela Uliano-Silva, como minha supervisora, é maravilhoso ter alguém tão experiente, vinda do meu país, para compartilhar ideias e discutir sobre o projeto.

O que você gosta de fazer fora do trabalho?

Eu amo explorar lugares novos e passar tempo com meus amigos. Aqui no Reino Unido, tenho gostado muito de andar de bicicleta. E adoro cozinhar – o que não significa necessariamente que sou boa nisso, mas me divirto! Também tive meu primeiro Halloween aqui no Reino Unido. Não temos as mesmas tradições no Brasil, então foi muito divertido ver como as casas ficam decoradas e as famílias saem na rua fantasiadas para pedir doces.

Qual foi seu maior choque cultural ao se mudar do Brasil para o Reino Unido?

Acho que o maior choque cultural para mim foi, sem dúvida, o clima. Eu vim esperando a chuva, mas foi o vento que me pegou de surpresa. Aprendi rapidamente que usar guarda-chuvas nem sempre é a melhor ideia! E a forma como as pessoas falam sobre a temperatura é engraçado. Eu já ouvi pessoas dizendo: “Está até bem quente hoje” quando estava menos de 15°C. Levei um tempo para me acostumar, mas com um casaco de inverno e boa capa de chuva tudo foi se encaixando.

O que você gostaria de fazer no futuro?

Inicialmente, eu não estava pensando em fazer um PhD no exterior, então me candidatei ao Prêmio Sanger mais pela possibilidade de conhecer e vivenciar a pesquisa em um centro de ponta, com excelência em bioinformática e, assim, enriquecer minhas experiências antes de concluir a graduação. No entanto, a oportunidade de estar aqui, envolvida em pesquisas com objetivos tão nobres e me conectando com cientistas inspiradores que impulsionam muitos dos avanços da ciência moderna, me fez considerar programas de PhD aqui também. Gostaria muito de voltar aqui no Instituto Sanger um dia como estudante de doutorado, estudando a evolução dos genomas e transcriptomas.

Você tem algum conselho para quem está pensando em se candidatar a uma vaga de estudante no Sanger Institute?

Meu principal conselho seria para apenas tentarem. O processo de candidatura em si já é muito enriquecedor. Eu realmente acredito que o Prêmio Sanger valoriza mais o potencial, a curiosidade e o interesse genuíno do que um currículo perfeito.

Além disso, acho que a melhor coisa que um estudante pode fazer é mostrar como seus próprios interesses se conectam com os valores e os projetos realizados no Sanger. Esse alinhamento, entre o que te interessa e o que o Instituto representa, pode destacar muito a candidatura.


  1. O Prêmio Sanger é uma competição destinada a estudantes de graduação que vivem e estudam em países de baixa ou média renda. O vencedor da competição é convidado a passar três meses no Instituto, trabalhando em um laboratório de sua escolha, sendo supervisionado por um membro do Corpo Docente do Sanger. Todas as suas despesas essenciais de viagem, moradia e treinamento são pagas pelo fundo, e o suporte e a mentoria são fornecidos pelo Instituto, tanto pelo programa científico com o qual trabalham quanto pela equipe que administra o fundo. As inscrições para o Prêmio Sanger de 2026 estão abertas agora. Para mais informações e para se candidatar, visite: https://www.sanger.ac.uk/about/study/the-sanger-prize/ ↩︎

Beatriz Rodrigues Estevam
Beatriz Rodrigues Estevam
Undergrad student - Biological Sciences (ESALQ/USP) - Plant genomics

I am very passionate about the ability to solve biological problems with bioinformatics.